Coalizão Negra por Direitos faz representação criminal contra vereador bolsonarista por racismo e intolerância religiosa

Vídeo que circula na internet incita pessoas a mobilizarem líderes religiosos contra religiões de matrizes africanas

O vereador da cidade de Cascavel (PR), Romulo Quintino (PSC) e vice-presidente da Câmara Municipal, utilizou suas redes sociais para disseminar notícias falsas e promover discurso de ódio contra religiões de matrizes africanas. A Coalizão Negra por Direitos entrou com representação criminal no Ministério Público do Paraná, denunciando tal prática à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos. 

A denúncia traz mensagem de discriminação religiosa que circulou nas redes sociais associando a religião de matriz africana a algo maligno, ou seja, a algo que seria “do demônio”. Trata-se de disseminação de uma fake news que incita pessoas a mobilizarem líderes religiosos, e outras pessoas a disseminarem o vídeo editado com o objetivo de indignar e gerar ódio. 

A rede que conta com mais de 250 organizações do movimento negro pede processamento de notícia-crime a fim de se abrir inquérito para investigação para que o vereador seja processado pela prática de racismo através de discurso de ódio e disseminação de fake news. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível conforme a Constituição Federal Brasileira. Práticas racistas merecem reprimenda do Estado e este é o papel institucional que o Ministério Público deve cumprir, sendo de sua competência a representação para aplicação da pena, já que se trata de crime de ação penal pública.

Segundo o Disque 100 – canal de denúncias de violações de direitos humanos -,  o país tem registrado uma denúncia de intolerância religiosa a cada 15 horas. De acordo com análise realizada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, os principais alvos das discriminações religiosas são as religiões afro-brasileiras, com cerca de 39% das denúncias.

A peça apresentada pela Coalizão ainda destaca que o fato não se trata de prática de liberdade de expressão. “O discurso de ódio identificado no conteúdo que tem grande circulação no ambiente virtual é racista em sua essência, e extrapola os limites da liberdade de expressão. O vídeo e o discurso veiculado nas redes sociais configura abuso de direito, e põe em risco o direito à inviolabilidade do direito de liberdade de crença”. 

Vale destacar que o Brasil é Estado laico, tendo em vista que não há religião oficial do país, sendo que todas as manifestações de crença, recebem a proteção constitucional. 

Entenda o caso

Em agosto de 2021, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou para comunidade de religiões de matriz africana e integrantes da Coalizão Negra por Direitos, em Salvador (BA), onde disse ter sido recebido por mulheres que jogaram pipoca nele e o entregaram um santo, Xangô. E que “estão dizendo que eu tenho tenho relação com o demônio”, afirmou ele na época. 

De forma editada e manipulada, um vídeo teve grande circulação em grupos de aplicativos de mensagens instantâneas e nas redes sociais, alterando deliberadamente o conteúdo do discurso a fim de manipular a realidade dos fatos e incitar violência contra religiosos de matrizes africanas.

Com a edição, teria o ex-presidente dito “Ontem, quando eu cheguei, as mulheres jogaram pipoca em mim e me entregaram um Xangô e uma relação com o demônio. Eu estou falando com o demônio e o demônio está tomando conta de mim”.

Vale lembrar que há uma semana foi celebrado no Brasil o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro, data que justamente marca um crime cometido contra a Iyalorixá Mãe Gilda, que foi vítima de intolerância religiosa no final de 1999. Na época, o Jornal da Igreja Universal estampava em sua capa uma foto de Mãe Gilda como quem engana as pessoas. Indignados com a “notícia”, diversas pessoas atacaram seu terreiro e a Iyalorixá, que não suportou a situação e veio a ter um infarto, falecendo em seguida. 

Em suas redes sociais, o parlamentar incentivou a disseminação do vídeo para “o seu padre, o seu pastor, o seu líder religioso”. Além de incentivar o envio de conteúdo sobre o qual sabia-se ser inverídico, ainda incita o ódio a religiões de matriz africana.

O vídeo foi removido pelo vereador, mas “o dano à cultura afro-brasileira e à dignidade da coletividade praticante de religiões matrizes africanas ocorreu e não será esquecida ou desaparecerá com a facilidade de um clique não só porque o alcance das informações disponíveis na realidade digital é imensurável, mas sobretudo porque o vídeo é uma violência explícita. A responsabilização devida ao caso deve ser aplicada”, afirma Sheila de Carvalho, advogada da Coalizão Negra por Direitos. 

Leia a nota enviada a Promotoria de Justiça do Estado do Paraná.