A Coalizão Negra por Direitos vem a público apresentar este manifesto sobre as relações diretas entre a vacinação contra a COVID-19 e seus reflexos na vida e na saúde da população brasileira. O histórico da escravização no Brasil e os processos de atualização e novos mecanismos e tecnologias para manutenção do racismo na sociedade fazem com que a população negra ainda seja violentada pela falta de acesso a direitos básicos. Somos a maioria nas favelas, em situação de rua, trabalhos precarizados e nas prisões e também a maioria das vidas abreviadas pela gestão racista e genocida da pandemia do coronavírus.
A incidência e mortalidade pela COVID-19 em um país onde o racismo estrutura as relações sociais e que é marcado por fortes desigualdades é muito maior na população negra. Os dados reforçam a afirmação de que a pandemia, causada pelo coronavírus, tem consequências mais graves e fatais sobre os corpos e vidas negras, mais afetos a comorbidades específicas, como a hipertensão, diabetes e anemia falciforme. O racismo segue sendo um dos temas centrais na conjuntura brasileira, e os dados de mortes causadas pela COVID-19 apontam isso.
Há, da parte do Governo Federal, uma estratégia deliberada de retenção das informações sobre a pandemia, gerando a escassez de dados transparentes e precisos, inclusive com a falta de dados sobre raça e cor. Estudo realizado pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde Pública da PUC-RJ demonstra que as desigualdades raciais permeiam a pandemia e reforçam a crise social, política e econômica. Apesar de a primeira pessoa a receber a dose vacina contra a COVID-19 ter sido uma mulher negra, essa não é a realidade do processo de vacinação no país, pois segundo os dados do levantamento realizado pela Agência Pública em março de 2021, para cada pessoa negra que recebe uma dose, duas pessoas brancas são vacinadas. As desigualdades causadas pelo racismo são tão latentes que em um país de maioria populacional negra, 119,2 milhões de pessoas (IBGE, 2019), somente 1,7 milhões de pessoas negras receberam a vacina, enquanto 3,2 milhões de pessoas brancas foram imunizadas.
A população negra também foi a mais afetada pelas consequências sociais e econômicas da pandemia. Com o avanço da precarização do emprego e a baixa remuneração, e com a retração e desmonte de políticas públicas de acesso à renda como o Bolsa Família e Auxílio Emergencial, a fome e a falta de moradia são elementos que marcam a gestão genocida da pandemia. O local de residência e a atividade desenvolvida são fatores que influenciam diretamente no risco de exposição ao coronavírus.
Um outro agravante é vermos o Plano Nacional de Imunização – PNI, historicamente reconhecido pela universalização do acesso à vacinação, romper com o princípio da equidade, um dos pilares do Sistema Único de Saúde, o SUS, ao permitir que grupos e segmentos corporativos tenham prioridade no processo de imunização, mesmo que estes não façam parte dos segmentos reconhecidamente vulneráveis à esta doença. Esta quebra da equidade teve como consequência a paralisação do critério idade na vacinação, sabidamente um dos fatores de ampliação do público morbidade e mortalidade por covid-19.
Reconhecer o dado da realidade que a pandemia acirrou as desigualdades que acompanham a história da sociedade brasileira e adotar medidas efetivas para prevenir o adoecimento e morte de pessoas negras pela COVID-19 é essencial para que a vacinação possa ser efetivamente utilizada como um instrumento de estratégia de imunização coletiva.
Em vista desses dados alarmantes e a necessidade urgente de preservar a vida de pessoas negras através de sua priorização no processo de vacinação, a Coalizão Negra por Direitos vem assinalar a importância de que as autoridades governamentais observem a realidade e o quadro de desigualdades raciais vigente para tornar o processo de vacinação menos nocivo à população negra. Desse modo torna-se imprescindível considerar o seguinte:
1. Que a expectativa de vida de pessoas negras é sabidamente menor que a de pessoas brancas;
2. Que pessoas negras são mais afetadas por comorbidades específicas que as incluem nos grupos de risco;
3. Que as pessoas negras estão majoritariamente sujeitas a condições precárias de trabalho e que são a maioria dos trabalhadores em serviços essenciais;
4. Que as pessoas negras estão majoritariamente sujeitas a moradias precárias;
5. Que as pessoas negras são majoritariamente sujeitas a grandes deslocamentos pelas cidades do Brasil e mais expostas à contaminação.
Assim, a Coalizão Negra por Direitos vem a público se solidarizar com os familiares das 500 mil pessoas que vieram a óbito, com as muitas pessoas que ficaram com sequelas pós covid, dado esse ainda não devidamente investigado, protestar a contra estas mortes e também pelo racismo na condução da política de combate à pandemia na forma em que vem se realizando.
Entendemos que a população negra, o grupo majoritário mais afetado pela crise da Covid-19, tem que ter atenção prioritária no atual quadro de desigualdade de tratamento e ser tratada com equidade.