Para nós, não há novos riscos em relação a ir ou não para as ruas neste 7 de Setembro. A exposição de pessoas negras ao perigo, à violência e à morte é a condição habitual da democracia que tantos dizem defender. Lutar, resistir, desnaturalizar tal condição e sobreviver é traço de nossa existência.
Brasil, 6 de setembro de 2021.
Datas históricas, mesmo aquelas convencionadas por acordos coloniais, nos oferecem a oportunidade de aprofundar a compreensão de seus significados. Neste ano, em que estamos atravessando um momento tão grave em nosso país, o 7 de Setembro nos traz muito mais que o falido sentido da Independência.
A grande maioria da população brasileira sofre com o agravamento da crise econômica, social e política, decorrente não apenas da devastadora pandemia da Covid-19, mas também das profundas desigualdades raciais existentes no Brasil, que se agudizaram nesse período.
A CPI da Covid-19 no Senado já evidenciou indícios suficientes para a responsabilização do executivo federal na gestão irresponsável e criminosa da crise pandêmica que já nos custou quase 600 mil vidas. Soma-se a isso as investidas contra a democracia e o caos promovido por agentes do bolsonarismo vocalizados pelo próprio Presidente da República. O caráter racista e genocida desse governo é evidente.
Há quase 200 anos, a construção e a deflagração da independência do Brasil não foram acompanhadas de nenhum questionamento sobre o sistema escravocrata. Ao contrário, o Brasil independente manteve o regime, mesmo após a aprovação da Lei Feijó, de 1831, que proibia o tráfico de pessoas. Tanto a independência quanto a proclamação da República, nascida no ano seguinte à abolição formal da escravidão, foram frutos de negociações que mantiveram os mesmos grupos políticos e econômicos como gestores do terror sobre a vida da população negra. As práticas de violência, de desvalorização da vida e de exploração econômica, que configuram um verdadeiro genocídio, perduram no tempo e se expressam mais do que nunca nas políticas do atual governo, que precisa ser derrotado.
O Estado brasileiro jamais reconheceu a humanidade das populações não brancas e sempre se estruturou a partir de lógicas voltadas à garantia dos interesses da hegemonia colonial. O sistema de dominação racial branca consolidou zonas nas quais o estado de direito jamais existiu, territórios em que a violência do estado de exceção é a regra: favelas, periferias, quilombos e prisões. E em meio à pandemia, é a população negra o segmento mais exposto e vulnerável. Para nós, não há novos riscos em relação a ir ou não para as ruas neste 7 de Setembro. A exposição de pessoas negras ao perigo, à violência e à morte é a condição habitual da democracia que tantos dizem defender. Lutar, resistir, desnaturalizar tal condição e sobreviver é traço de nossa existência.
Neste 7 de setembro, as organizações que compõem a Coalizão Negra por Direitos, movimentos negros, de mulheres negras, de enfrentamento ao racismo religioso, povos quilombolas e a diversidade de coletivos negros de todo o país estarão nas ruas, mais uma vez. Assim como fizemos em todo o período pandêmico, indo às ruas contra prisões arbitrárias, assassinatos de jovens e crianças negras, reivindicando auxílio emergencial, vacina para todos e fim da violência policial. Como foram nos atos do 13 de Maio de Lutas, que ampliaram a nossa presença nas ruas e deram o fôlego necessário para que a campanha “Fora, Bolsonaro” se estabelecesse em todo o país. Estaremos atentos, unidos em nossa diversidade e firmes na afirmação de que o racismo estrutura as desigualdades sociais, as políticas públicas precárias e discriminatórias, e seus efeitos cada vez mais evidentes e devastadores.
Estaremos nas ruas não apenas pela derrubada de Bolsonaro, mas também pela eliminação dos sistemas de dominação racial e patriarcal, em aliança com as forças políticas que lutam pela superação das desigualdades e pela construção do Bem Viver.