Além de mentir na ONU, Jair Bolsonaro recorre ao supremo depois de ser condenado por falsa acusação contra jornalista e integrante do movimento negro
Anielle Franco, Bianca Santana, Douglas Belchior e Vilma Reis*, em nome da Coalizão Negra por Direitos
O discurso de Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU faz parte de um infame cotidiano de ataques do presidente que não respeita a liturgia de seu cargo. Além das inverdades, ao apresentar o seu modelo de sociedade ideal brasileira, Bolsonaro atacou toda a nossa diversidade étnico-racial, ao defender o Brasil como nação cristã, e, a pluralidade na constituição das famílias, ao discorrer sobre um modelo conservador e irreal fundamentado na família tradicional.
A liberdade de expressão também mencionada por ele, foi utilizada por sua defesa no último dia 15 para recorrer à condenação em segunda instância por ter acusado falsamente a jornalista Bianca Santana de escrever fake news. O que ele entende como liberdade de expressão são as mentiras e ataques que pratica.
O presidente recorreu da decisão de juízes e desembargadores do TJ de São Paulo alegando, em resumo, que a jornalista não teria sofrido dano moral com sua acusação. Em um dos recursos, a advogada de Bolsonaro chega a afirmar que o texto com a pergunta sobre o envolvimento da família Bolsonaro com o assassinato de Marielle Franco “poderia configurar até mesmo calúnia”. Preferimos não compreender tal insinuação como ameaça de processo para focarmos nos recursos à condenação que Jair Bolsonaro já recebeu.
A contestação foi feita um dia depois de o presidente declarar que fake news não são problema, afinal, “quem nunca contou uma mentirinha” (palavras dele). No mesmo 14 de setembro, foi para o STF o recurso de Bolsonaro contestando a condenação em outros processos, como por ter sido homofóbico na TV aberta em 2011 e por ter sido julgado culpado nos violentos ataques misóginos à deputada Maria do Rosário e à jornalista Patrícia Campos Mello.
A vitória honrosa na justiça de mulheres, pessoas negras e LGBTQIA + não é tolerável pelo presidente. Mas é preciso demarcar que esses grupos o condenaram na justiça, em primeira e em segunda instância. Além de não acatar a condenação e se responsabilizar por seus atos ilegais, Bolsonaro parece querer desafiar o STF mais uma vez. Agora, tenta deturpar o sentido da liberdade de expressão.
É preocupante notar também que, ao apontar inimigas, Bolsonaro oferece a seus seguidores, a explicitação de possíveis alvos. Têm crescido as agressões físicas, como testemunhamos exemplarmente na semana passada, quando um quilombola foi amarrado e agredido no Rio Grande do Norte e travestis foram assassinadas a bala em Pernambuco, Goiás e no Distrito Federal.
O presidente não se importa em envergonhar o povo brasileiro em sua diversidade enquanto milhões empobrecidos e vilipendiados vão para a fila dos supermercados para comprar ossos para garantir o sustento.
Nós, defensoras e defensores negras e negros de direitos humanos, jornalistas, quilombolas, juventudes rebeladas, periferias mobilizadas vamos seguir na trincheira das lutas, organizando nosso povo, levando comida e esperança com a campanha #TemGenteComFome e plantando revoluções com a forte presença de nossa memória de secular resistência.
A Coalizão Negra por Direitos segue no enfrentamento a Jair Bolsonaro. Caso o STJ ou o STF julguem pertinentes os recursos, nosso grupo jurídico atuará para que a justiça prevaleça. Seguimos, mesmo que seus aliados sejam violentos e que o presidente da República, ele mesmo, pose sorrindo com placa de “CPF cancelado”, legitimando o jargão das milícias para o assassinato de pessoas. Seguiremos enfrentando o genocídio negro e perguntando: Jair Bolsonaro, qual a relação da sua família com o assassinato de Marielle Franco?
Anielle Franco, Bianca Santana, Douglas Belchior e Vilma Reis são integrantes da Coalizão Negra por Direitos.
Reportagem: Folha de São Paulo