Por: Caio Chagas
No último sábado (16), Dia Mundial da Alimentação, a campanha “Tem Gente Com Fome”, da Coalizão Negra Por Direitos, realizou uma mega ação de distribuição de alimentos em 10 estados do país. Foram entregues 3 toneladas de alimentos secos e orgânicos, além de kits de higiene e limpeza para as famílias vulneráveis de Alagoas, Acre, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo, que foram mapeadas pelas entidades dos movimentos negros.
Para Douglas Belchior, porta-voz da campanha, é de grande simbolismo a ação acontecer no Dia Mundial da Alimentação, “o problema da crise social só aumenta, a miséria e a fome crescem como nunca, o dia de hoje marca a retomada da campanha”. O cofundador da Coalizão Negra ainda reforçou que, para além da solidariedade, políticas públicas de combate à fome têm que ser feitas com urgência, “não há campanha que consiga resolver tanta miséria”.
Em 2020, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PenSSAN) publicou o inquérito “Olhe para a fome”, onde revela que 117 milhões de brasileiros vivem na situação de insegurança alimentar, que é quando alguém não tem acesso pleno e permanente à alimentação. Os resultados do levantamento ainda apontam que 19 milhões de pessoas convivem com a fome diariamente. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE mostram ainda que o desemprego ficou em 14,1% no segundo trimestre de 2021, atingindo 14,4 milhões de pessoas. O relatório da Oxfam, publicado em junho de 2021, traz a triste estatística de que a fome pode matar 11 pessoas a cada minuto até o final deste ano nos países emergentes, tendo a pandemia, os conflitos armados e a crise climática como principais fatores do problema.
Mônica Brito, representante da COMUMENA de Altamira, no Pará, revelou que, para além do combate à fome na região, a campanha tem levado um cuidado especial para as pessoas que menstruam, “muitas pessoas se encontram desempregadas e com fome, como essas famílias compram itens de limpeza? Como compram absorventes?”, questiona. Dados de uma pesquisa feita pela Johnson & Johnson Consumer Health, realizada com mulheres das classes C e D, apontam que 28% das mulheres de baixa renda no Brasil vivem em situação de pobreza menstrual. “Nós precisamos fortalecer a campanha, muito mais. Ainda tem muita gente passando fome”, finaliza.
A Campanha #TemGenteComFome, nascida no seio de organizações do movimento negro, foi lançada em março de 2021 para enfrentar a fome e auxiliar famílias brasileiras naquilo que é um direito humano básico: a alimentação. Com os R$ 18 milhões captados nos primeiros seis meses, 130 mil famílias receberam ajuda e foram distribuídos mais de 54 mil cartões de alimentação, 29 mil cestas básicas e 55 mil cestas com produtos orgânicos nos 27 estados. Os recursos também ajudaram a garantir empregos e renda para armazéns e mercadinhos locais e para agricultores familiares.
A ação do dia 16 de outubro foi também o lançamento da segunda etapa desse grande movimento liderado pela Coalizão Negra Por Direitos e por parceiros, como Anistia Internacional, Oxfam Brasil, Redes da Maré, Ação Brasileira de Combate às Desigualdades, 342 Artes, Nossas – Rede de Ativismo, Instituto Ethos, Orgânico Solidário, Grupo Prerrogativas e Fundo Brasil. A campanha #TemGenteComFome é auditada pela empresa PP&C, que integra a holding Nexia.
“Tem Gente Com Fome” faz referência ao poema de mesmo nome do poeta, teatrólogo, cineasta, artista plástico e militante histórico do movimento negro brasileiro, Solano Trindade. Durante as entregas no estado do Rio de Janeiro, o educador popular e fundador do Movimenta Caxias, Wesley Teixeira, falou sobre as desigualdades históricas do povo negro. “Esse poema de Solano Trindade, infelizmente, ainda é uma realidade. Porque o preço no mercado está lá em cima, você começa a pensar que o mercado não está nem aí para nós, nem o mercado de Paulo Guedes e nem o mercado que asfixia pessoas negras”.
No Brasil, o vírus da Covid-19 já matou mais de 600 mil pessoas pelas consequências da falta de políticas públicas e do negacionismo do governo federal. Em agosto de 2020, a Coalizão Negra Por Direitos protocolou o 56º pedido de Impeachment contra o Presidente da República, Jair Bolsonaro, o primeiro da história do movimento negro, tendo como denúncia central a negligência diante das vidas perdidas durante a pandemia da Covid-19. Os argumentos do protocolo foram incluídos também no “Superpedido de Impeachment”, apresentado em 30 de junho de 2021.
Wagner Moreira, coordenador do IDEIAS – Assessoria Popular, realizou as entregas da campanha na Ladeira da Conceição da Praia, em Salvador. Para ele, a Coalizão Negra Por Direitos tem levado a incidência política para a base e congresso de forma coesa e digna, “é o povo negro falando a partir de seu próprio território”. Complementando, reforçou a importância da ação de combate à fome, “é a partir do trabalho da campanha que vamos nos rearticulando nos nossos territórios. Sendo uma experiência exclusiva nessa solidariedade que a gente faz nos terreiros, nas periferias, onde sempre estivemos”.
Quem já recebeu as entregas das doações ressalta a qualidade dos produtos e a diferença que a cesta faz para toda a família, como Rosimeire dos Santos Silva, moradora da Comunidade Remanescente de Quilombo Rio dos Macacos, localizada no município Simões Filho, na Bahia. “A importância dessas doações para os quilombolas é muito grande. São os pretos ajudando os pretos, é uma corrente que nos ajuda a levantar. A fome dói, e dói na alma”. Para a liderança quilombola e da pesca artesanal da Ilha da Maré, Eliete Paraguassu, a campanha chega nos mais diferentes territórios brasileiros, realizando transformações profundas. “Hoje, Dia Mundial da Alimentação, a Coalizão Negra Por Direitos chega no Território das Águas, e estamos aqui para mostrar que essa campanha é importante para o Brasil. Seguimos na construção feita pelo nosso povo de um projeto político de nação”, finaliza.