O Supremo Tribunal Federal (STF) deve votar hoje, dia 1 de março de 2023, um habeas corpus sobre abordagens policiais feitas sem critérios objetivos. A Coalizão Negra por Direitos e outras sete organizações protocolaram memoriais em um pedido para que os magistrados reconheçam a inexistência do crime diante da ilegalidade de provas derivadas de busca pessoal, realizada com base em filtragem racial. Pelo movimento negro também estão Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas e Instituto de Referência Negra Peregum.
Ao ser tratada pelo STF, a discussão toma dimensão nacional. “Isso porque tem como escopo enfrentar a violação sistemática e estrutural de direitos fundamentais que ocorre por meio do uso de perfis raciais na abordagem policial e na privação de liberdade”, principalmente de pessoas negras. Com isso, agentes do Estado reproduzem racismo institucional que evidencia uma estrutura de manutenção das desigualdades ancoradas em hierarquias raciais.
Vale destacar que esse tema tem sido debatido por diversos países, bem como pela Organização das Nações Unidas (ONU), que define perfilamento racial como “o uso pela polícia, profissionais de segurança e controle das fronteiras no uso da raça, cor, descendência, etnicidade ou nacionalidade de uma pessoa como parâmetro para submetê-la a buscas pessoais minuciosas, verificações de identidade e investigações”. No Brasil, há o Projeto de Lei (PL) 5231, do senador Paulo Paim (PT), aprovado no Senado em 2020, sugere impedir conduta de agente público ou profissional de segurança privada fundada em preconceito de qualquer natureza. O PL aguarda tramitação na Câmara dos Deputados.
Por essas questões, em maio de 2022, a Coalizão Negra por Direitos protocolou uma ação no STF ação para o reconhecimento do genocídio da população negra no Brasil. A ação busca o reconhecimento de uma política de morte à população negra estruturada no racismo. A denúncia do movimento negro é secular, mas segue sem o devido amparo das instituições. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) protocolada pede que sejam reconhecidas e sanadas as graves lesões à população negra praticadas pelo Estado brasileiro, seja por ações ou omissões reiteradas que culminam na violação sistêmica dos direitos constitucionais à vida, à saúde e à alimentação digna.
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, o Brasil tem 820.689 pessoas presas, sendo que 67,4% são negras. Na prática, a raça tem sido o principal marcador para que pessoas negras sejam criminalizadas pelo Sistema de Justiça Criminal, em um primeiro momento na abordagem policial e, mais tarde, nas decisões judiciais.
Nos memoriais de julgamento, as entidades reforçam que, “caso o tribunal reconheça a inexistência da materialidade do crime em face da ilicitude das provas derivadas de busca pessoal realizada com base em filtragem racial, novamente concretizará relevante diretriz sobre o tema”. E completam: “Importante ter em vista que a decisão pode ser fundamental para a redução das desigualdades raciais produzidas no âmbito do sistema de justiça criminal no Brasil. Tem-se aqui uma oportunidade de reforço aos precedentes desta Corte no fortalecimento da democracia.”