Nota de protesto contra decisão judicial acerca do assassinato de Johnatha

Na última quarta-feira, dia 6 de março de 2024, o 3º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, afirmou, após dois dias de julgamento, que em nosso país não existe justiça para pessoas negras, e em especial para suas famílias, mostrando que a humanidade continua sendo negada à nossa população. A decisão de inocentar um agente de segurança pública de um ato de assassinato confirma que, no Brasil, o Direito e a Justiça são primas distantes que não se veem há séculos. Nós, a Coalizão Negra por Direito, exigimos Justiça porque essa deve ser o primado do Direito

O caso se trata do julgamento do policial militar Alessandro Marcelino de Souza, que no dia 14 de maio de 2014, atirou nas costas de Johnatha de Oliveira Lima, de 19 anos, que voltava da casa de sua namorada, em Manguinhos/RJ. Na volta, Johnatha presenciou o tumulto de mais uma “operação policial”, onde moradores protestavam contra a truculência da operação. A resposta dos policiais militares foi disparos de arma de fogo contra moradores, crianças e jovens. Apesar de não estar participando do conflito, Johnatha foi baleado nas costas, levado para Unidade de Pronto Atendimento, mas não resistiu e veio a óbito. A pergunta que não quer se calar é: como algo tão trivial na vida de um humano resulta em seu assassinato, dor aos seus familiares e indignação à sua mãe? Temos um nome à essa indignação: truculência do aparato de segurança pública contra pessoas negras e, sem qualquer sombra de dúvida, contra homens negros. Isso porque, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgado em julho de 2023, a ocorrência de pessoas negras vitimadas por violências é de 76,5%, e quando se trata de mortes por intervenções policiais, a porcentagem de mortes de pessoas negras chega a 83,1%. Afere-se que as ocorrências dessas mortes por violências intencionais, vitimam mais os homens em cerca de 91,4%, sendo 76,5%, mortes por latrocínio; 58,5%, roubos seguidos de morte; 72,1%, lesão corporal seguida de morte; e 83,1%, mortes por intervenção policial.

Após o assassinato de seu filho, Ana Paula Oliveira, seguiu tentando fazer com que a justiça valesse para Johnatha. Depois de participar dos primeiros atos contra a violência policial no Rio de Janeiro, Ana Paula percebeu que sua história se ligava a de outras mães que tiveram seus filhos assassinados pelo estado, e essas acabaram formando o movimento das Mães de Manguinhos.

No dia 12 de maio de 2023, semana que marcou os 134 anos do Dia da Abolição da Escravatura no país, Ana Paula, com várias outras mães que perderam seus filhos pela violência policial, junto à Coalizão Negra por Direitos, protocolou no Supremo Tribunal Federal, a Arguição de Preceito Fundamental (ADPF) 973, o ADPF Pelas Vidas Negras, que começou a ser julgada no dia 22 de novembro de 2023. Na ação, que foi provocada pela Coalizão Negra por Direitos e ajuizada por sete partidos políticos, o movimento negro denuncia, entre outros pontos, o crescente aumento da letalidade de pessoas negras em decorrência da violência institucional (sobretudo, fruto da atuação policial), e pede a elaboração e implementação de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Racismo Institucional e à Política de Morte à População Negra, no prazo de um ano. Entre as ações neste plano, estariam a implementação de protocolos relativos à abordagem policial e ao uso da força alinhados aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e nos tratados internacionais de direitos humanos, segurança e paz dos quais o Brasil é signatário; construção de um Fundo Nacional para o Enfrentamento ao Racismo; entre outros pontos.

Contudo, apesar da grande ação promovida, a morosidade da justiça e a falta de um plano de ação para barrar o crescimento da letalidade policial por parte dos governos (do Estado brasileiro), autoriza e dá anuência para que a polícia, no uso excessivo e desproporcional de força, siga matando crianças e jovens negros por todo o país. 

Dados do Atlas da Violência do ano de 2023 revelaram que o risco de uma pessoa negra ser assassinada é 2,9 vezes maior em relação a uma pessoa não negra, porém em 2014, ano do assassinato de Johnatha, o risco era de 2,4 vezes, e no decorrer da década ele só aumentou, mostrando a negligência dos governos que, mesmo diante de dados tão alarmantes não produziram políticas públicas capazes de proteger a população negra da morte precoce e violenta.

A parcialidade da justiça, somada ao racismo estrutural da sociedade nega o direito de corpos negros terem direitos e de existirem. A decisão do Tribunal de Júri, que considerou não haver intenção de matar, deu o aval para que o assassino de Johnatha continue livre para exercer suas atividades laborais e para que siga executando jovens negros, assim como a justiça anteriormente permitiu que ele permanecesse solto após cometer um triplo homicídio em Queimados, na Baixada Fluminense, um ano antes de assassinar Johnatha.

Diante desse cenário de atrocidade, após dez anos de luta por justiça por Johnatha, a Coalizão Negra por Direitos continua junto à Ana Paula Oliveira, as Mães de Manguinhos e a todas as mães e familiares vítimas do Estado, lutando por justiça racial e dignidade, denunciando o genocídio negro brasileiro, acreditando que, no Brasil, a justiça precisa cumprir preceitos constitucionais de igualdade (CF, art. 5º, caput); da vida (CF art. 5º, caput) e da segurança (CF art. 5º, caput), e afirmando que “Enquanto houver racismo e uma justiça racialmente seletiva, NÃO HAVERÁ DEMOCRACIA”.

Por memória, verdade, justiça e reparação.

COALIZÃO NEGRA POR DIREITOS