Situação de direitos humanos no Brasil é denunciada na OEA

Marcando os 100 dias do massacre do Paraisópolis, em audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Coalizão Negra por Direitos, Coalizão em Rede e outras organizações de liberdade de expressão denunciaram o governo brasileiro pelos ataques à agenda de direitos humanos

(FOTO: Comissão Interamericana de Direitos Humanos)

Nesta última sexta-feira, o governo brasileiro foi denunciado perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), durante seu 175º período de sessões, pelos constantes ataques aos direitos humanos no Brasil. As denúncias se basearam em episódios de violações de direitos recentes que violam os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil perante a Organização dos Estados Americanos (OEA). 

A Coalizão Negra por Direitos, articulação composta por mais de 150 organizações, coletivos e movimentos negros do Brasil denunciou o Estado pela necropolítica da segurança pública. A denúncia se baseou na violência policial nos estados do Rio de Janeiro e em São Paulo, especialmente no homicídio pela polícia de 6 crianças no Rio em 2019 e no caso do baile do Paraisópolis que resultou na morte de 9 jovens. 

A denúncia da Coalizão se baseia no aumento da violência policial que sustentam um processo de genocídio negro no país. Em 2019 o número de mortes pela polícia bateu recorde em 2019 no estado do Rio de Janeiro. Segundo os dados oficiais do Instituto de Segurança Pública, em 2019, a Polícia do Rio de Janeiro matou mais de 1800 pessoas, maior número das duas últimas décadas. “As balas perdidas só acontecem nos territórios onde moram pretos e pobres”, denunciou Rosilene Torquato, da Agentes Pastoral Negros.

Em São Paulo, o aumento da violência policial foi 11% maior que o ano anterior, chegando a 719. Os alvos dessa violência seguem a regra, tem endereço, idade e cor muito bem definidas. “É um pesadelo constante, chegar em casa e saber que nunca mais vou ver meu irmão, onde foi tratado com tanto amor e tanta dificuldade, minha mãe empregada doméstica lutou tanto para sustentar para um órgão do Estado tirar a vida do meu irmão sem razão alguma”, testemunhou Fernanda Garcia, irmã de Dennys Guilherme, vítima da chacina de Paraisópolis. 

A denúncia foi realizada no dia em que a polícia militar assumiu que a ação policial foi a responsável pelas mortes dos 9 jovens de Paraisópolis, porém alegando um cenário de legitima defesa e chamando a corresponsabilidade das famílias vítimas desse episódio para uma corresponsabilidade. Em resposta ao Estado, a Coalizão apontou que nada há de se falar de legitima defesa, reiterando que a ação da polícia se refere à uma prática sistêmica, fundada no racismo estrutural. 

Hoje fazem 100 dias do Massacre do Paraisópolis. 100 dias que a comunidade aguarda uma resposta efetiva frente ao que aconteceu e o único retorno dado pelo Estado foi a absolvição dos policiais envolvidos pela corregedoria, sob a alegação de que os mesmos não violaram o Procedimento Operacional Padrão da polícia. Esse procedimento padrão foi questionado pela Coalizão Negra na audiência. Como denunciou Gloria Maria, jovem de 20 anos moradora de Paraisópolis “Nós sofremos violência constante, diariamente. As mortes em Paraisópolis elas foram planejadas, na rua onde acontece o bairro existem vielas com três saídas, as três foram fechadas. Isso não é exceção, é a regra”.

A comitiva da Coalizão Negra por Direitos foi composta por Gloria Maria (produtora cultural na Batalha do Paraisópolis, residente do bairro), Douglas Belchior (Uneafro), Fernanda Garcia (irmã de uma das vítimas da chacina de Paraisópolis), Rosilene Torquato (Agentes Pastoral Negros do Brasil – Rio de Janeiro) e Sheila de Carvalho (advogada da Coalizão). 

Nesta audiência o Estado estava representado por integrantes do governo Bolsonaro, para se eximir da responsabilidade o governo apresentou protocolos internacionais e políticas públicas de promoção de igualdade racial que foram criadas por gestões anteriores que estão hoje em situação de desmonte e descontinuidade. Em resposta a essas alegações, a integrante da Comissão Interamericana de Direitos Humanos Margareth Macaulay, comissionada, requereu informações mais claras do Estado brasileiro, para ela “há um alto nível de impunidade aos crimes cometidos contra a população afrodescendente no Brasil, disse Macaulay na audiência.

Douglas Belchior, da UNEAFRO, rebateu o Estado brasileiro na audiência “Há uma política de esvaziamento dos conselhos de participação das políticas de promoção da igualdade racial, o governo está desconstruindo essas políticas […] O governo brasileiro de Bolsonaro é uma fênix dos porões da ditadura militar, é um governo militar autoritário que se coloca na frente do Estado afim de tirar direitos e impor o terror via o seu braço armado, há um governo alinhado com as milícias no Brasil, com os grupos paramilitares”. 

A situação das milícias no Rio de Janeiro também foi denunciada perante a Comissão, relembrando que fazem dois anos do assassinato de Marielle Franco, mais uma morte que segue sem resposta e responsabilização: “Estamos aqui por nossos irmãos, nossos filhos, nossos pais, nossos companheiros que andam nas ruas brasileiras com um alvo nas cabeças. E estamos aqui por Marielle Franco, vereadora negra no Rio de Janeiro, ao que tudo indica, assassinada pelas milícias cariocas, grupos paramilitares formados a partir dessa política de segurança pública racista, ineficiente e sanguinária”, disse Sheila de Carvalho, advogada da Coalizão. 

Na audiência, o presidente da Comissão Interamericana, Joel Hernández, solicitou que o Estado brasileiro pedisse desculpa aos familiares das vítimas de Paraisópolis. “Se requer muito valor e muita coragem para vir do Brasil para expressar seu testemunho, o mero fato que estão aqui é sinal dessa preocupação que carrega pela situação de insegurança que vive a população afrodescendente em suas comunidades, em suas favelas”. 

No mesmo dia, também foi realizada audiência solicitada por Coalizão Direitos na Rede e outras organizações referências na garantia do direito humano à liberdade de expressão como Artigo 19, Intervozes, Repórter Sem Fronteiras, dentre outras. Foram apresentados casos emblemáticos da criminalização da prática jornalística, como do jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, que ganhou repercussão internacional, e de Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, alvo de ameaças de morte, de difamação e todo tipo de ataques. Mais recentemente, outra jornalista, Vera Magalhães, entrou no foco dos ataques do presidente e de sua família

Para Macaulay, comissária da CIDH, há um descompasso entre o que está previsto constitucionalmente no Brasil e a prática do governo brasileiro. “Enquanto mulher, fico muito preocupada com o fato de o presidente da República cometer ataques e fazer colocações agressivas e ofensivas a jornalistas mulheres. Isto é uma contradição gritante entre os direitos constitucionais, ainda mais vindo de um líder do Estado. Quando o presidente diz coisas como as que diz, é como se desse uma licença para que todos tratem as mulheres de forma desrespeitosa. É muito preocupante o que está acontecendo”.

Confira o documento com a denuncia: http://bit.ly/2Q4S1T5

Para mais informações sobre a ação: http://bit.ly/339Qq3D

Acompanhe como foi a comissão na íntegra: