O dia 12 de junho é considerado pela Organização das Nações Unidas como o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil. A data convoca a sociedade para refletir e agir diante dessa violência que atingiu, em 2020, 160 milhões de crianças, metade delas entre 5 e 11 anos, em todo mundo, segundo o relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). No Brasil, a maioria das crianças que vivem em situação de vulnerabilidade se veem obrigadas a ajudar no sustento de si mesmas e de suas famílias, realizando trabalhos degradantes e exaustivos.
Meninas e meninos que deveriam ter garantido pelo Estado o direito ao bem-estar social, boa alimentação, moradia digna, escola e educação de qualidade, acesso à cultura, a poder brincar, hoje estão em carvoarias, fábricas e plantações, fazendo trabalhos braçais pesados, expondo, de forma imposta, seus corpos ainda em formação ao frio, chuva, extremo calor ou substâncias tóxicas. Outras muitas estão trabalhando em casas de famílias ou nas ruas das cidades, correndo todos os tipos de riscos da violência urbana, vendendo doces, cigarros e objetos nos faróis, dentro do transporte público ou em festas clandestinas.
Com a pandemia, esse cenário se agrava. Desde o início dos casos de Covid-19, em março de 2020, mais de 14 milhões de pessoas ficaram desempregadas no país, devido à crise socioeconômica causada pelos cortes de programas sociais do governo federal e das demissões em massa que aconteceram nos setores do comércio e da indústria. O resultado desta sucessão de retirada de direitos é a necessidade dos filhos e filhas pequenas dessas pessoas ajudarem no orçamento da família.
O Brasil naturaliza historicamente o trabalho infantil e isso afeta, em maior parte, as crianças negras. Isso revela como o racismo se perpetua na sociedade brasileira, reproduzindo violências que têm raízes históricas em quase 400 anos de escravização negra. No ano 2014 o trabalho infantil doméstico afetava 257 mil crianças e adolescentes. Destas, mais de 90% eram meninas e 70% negras. No trabalho nas ruas, 80% das crianças e adolescentes são meninos negros. Essas duas atividades estão previstas no Decreto 6481/2008 como piores formas de trabalho infantil, e são proibidas para pessoas com menos de 18 anos. O Decreto regulamenta a Convenção 182 da OIT, ratificada pelo Estado brasileiro no ano 2002, sistematicamente descumprida.
A divulgação da pesquisa oficial sobre o tema, no final do ano passado, aponta para o número aproximado de 1,8 milhões de crianças obrigadas a trabalhar. Contudo, é urgente que haja transparência sobre os dados que mostram a situação do trabalho infantil no Brasil. Desde 2016, com a mudança da metodologia do estudo, muitos números ficaram sem comprovações e, a partir desse período, houve um hiato de 3 anos sem coletas desses dados, o que nos alerta para a possibilidade de ocultamento de informações e subnotificações.
É urgente que as políticas de proteção à infância sejam prioridade pelos governos federal, estaduais e municipais, em cumprimento ao que dispõe o artigo 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. E essas políticas além de intersetoriais, envolvendo questões de alimentação, educação, moradia, saúde, cultura, trabalho e geração de renda para as famílias, profissionalização para adolescentes e jovens, devem levar em consideração as questões raciais e de gênero, estruturais a essa e outras formas de violência. Também é importante salientar que a implementação da Lei 10.639/2003 é fundamental para assegurar a permanência das crianças nas escolas e para que haja combate ao racismo na infância.
O genocídio negro atinge crianças e adolescentes periféricos, que são também vítimas de violências como o trabalho infantil, por ausência de políticas e garantia de acesso a direitos. As infâncias negras têm sido historicamente interrompidas e é urgente que sejam prioridade nas políticas e nos movimentos de luta por liberdade, por igualdade, por democracia. Precisamos assegurar às nossas crianças que elas tenham o direito de viver a infância, tenham o direito de sonhar, tenham o direito de desenvolver suas potencialidades, livres de exploração no trabalho e de qualquer forma de violência.