Articulação reúne mais de 200 organizações do movimento negro. Ação defende patrimônios da Fundação e da população negra
A Coalizão Negra por Direitos ingressa com Ação Civil Pública contra o atual presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, requerendo que seja impedida a exclusão de obras do Acervo da Biblioteca da Fundação. A ação pretende defender a preservação do patrimônio cultural, social e histórico da população negra e da história de luta do movimento negro brasileiro, além do direito à memória coletiva a fim de assegurar e preservar o direito de continuidade da história.
Na Ação Cívil Pública, a Coalizão declara que o presidente da Fundação realiza atos de improbidade administrativa e “promove ações deliberadas que podem ensejar a perda irreversível e imensurável do patrimônio cultural e histórico da população negra” e “que a honra e a dignidade da população afro-brasileira e também de patrimônio público e social serão violados caso obras sejam retiradas do acervo”. Para a Coalizão, se esta ação não for inibida, o desenvolvimento humano, social da coletividade, sobretudo da população negra, bem como o pleno exercício dos direitos culturais serão colocados em risco.
Sérgio Camargo, em ato de censura, organizou a eliminação de obras do Acervo da Biblioteca da instituição, com a ameaça de retirar arquivos e obras de expoentes da luta do movimento negro e importantes intelectuais negros e negras. A ação da Coalizão demanda frear o comportamento improbido e ilegal de Sérgio Camargo, buscando impedir que ele promova a destruição do acervo atual da Fundação Cultural Palmares.
“Independentemente de posicionamento político é necessário reconhecer a necessidade primária de proteger o legado da Fundação para as próximas gerações e a manutenção da identidade da população negra brasileira, sendo cumprida sua finalidade constitucional”, afirma o texto.
Sob justificativa de que há obras no acervo que não correspondem à finalidade da Fundação por serem “manuais de militância de esquerda” e “atrasadas”, Sérgio Camargo atenta contra as possibilidades de que gerações futuras tenham acesso à realidade da história do Brasil. Portanto, existe uma incompatibilidade entre as ações de Camargo e os princípios da administração pública.
Nomes como Carlos Marighella, ex-Deputado Federal e fundador da Aliança Libertadora Nacional, organização de resistência à ditadura militar, estão na lista feita por Camargo. A exclusão de cerca de 9.000 títulos do acervo demonstra o esvaziamento da cultura, um desmonte da Fundação Palmares e apagamento da história da sociedade brasileira, e repete a atuação parcial e motivada de caráter ideológico que o atual presidente da Fundação costuma demonstrar. Estes conteúdos literários são essenciais ao conhecimento e educação dos brasileiros e brasileiras sobre a formação da sociedade.
Vale destacar, que a Fundação Palmares foi criada em 1988, junto à redemocratização do Brasil. Em seu próprio site, afirma que a instituição é “voltada para promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira” e ainda que “que contribua para a valorização da história e das manifestações culturais e artísticas negras brasileiras como patrimônios nacionais”. Destaca-se também, o fato de ser papel da Fundação apoiar “a difusão da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da História da África e Afro-Brasileira nas escolas”, algo praticamente inexistente no Brasil.
Como destacou Carlos Alves Moura, o primeiro presidente da Fundação, na comemoração dos 25 anos desta, a Fundação Cultural Palmares “foi um sonho nascido de entidades do Movimento Negro”. Outros cultos homens e mulheres que presidiram a organização eram figuras protagonistas no combate ao racismo no Brasil. Entre eles e elas, Adão Ventura, Joel Rufino dos Santos, Dulce Maria Pereira, Ubiratan Castro de Araújo, Zulu Araújo e Eloi Ferreira de Araujo.
Reiteradas vezes, Sérgio Camargo já desqualificou a luta do movimento negro e minimiza os reflexos do racismo na vida do povo negro no Brasil, reforçando o discurso do Governo Federal de que as denúncias e lutas contra o racismo representam “vitimismo”. A tentativa de eliminar obras e arquivos de importantes corresponde à forte tendência que o atual presidente da instituição tem de deslegimitar a importância da resistência da luta popular do movimento negro no país.
Tal medida é chamada pela mídia por “cruzada ideológica”, pois baseia-se na retirada do Acervo de obras de cunho marxista e revolucionário, ainda que sob uma justificativa que se diz “técnica e não subjetiva”.
Dizer isso por haver obras de referência a Ho Chi Min, Carlos Marighella, Karl Marx e James Baldwin, é ignorar a literatura, construída por referências diversas, e, sobretudo negar que a luta emancipatória do povo negro no Brasil defende a igualdade entre as pessoas independente de sua classe e credo. O atual presidente da Fundação Palmares busca atingir a desvalorização da luta histórica contra o racismo estrutural presente no país até os dias de hoje devido a abolição inconclusa.
O expurgo de obras de grande relevância da Biblioteca da Fundação Palmares fere a Constituição Federal, sendo cabível a ação civil pública proposta para inibir a prática de qualquer ato que possa colocar em risco de danos irreparáveis o patrimônio cultural, artístico e histórico afro-brasileiro, bem como os direitos à honra e à dignidade da população negra.
Representações culturais e produções de autores e autoras negros e negras configuram atos de resistência em uma sociedade racista que silencia as subjetividades e humanidades deste grupo. Como menciona a ação da Coalizão, “apenas quem conhece o passado é capaz de construir o futuro”.
Leia na íntegra a Ação Cívil Pública