A Coalizão Negra por Diretos, aliança nacional que reúne mais de 250 organizações, entidades e movimentos negros, periféricos, favelados, ribeirinhos, quilombolas e povos da floresta, repudia com veemência as declarações do Ministro da Educação Milton Ribeiro. Em entrevista ao programa “Sem Censura”, da TV Brasil, na noite desta segunda-feira (9/8), o responsável pela educação no país afirmou que “a universidade deve ser para poucos”.
O desprezo demonstrado em relação à democratização do ensino superior e ao direito que todos os brasileiros e brasileiras têm de expandir seus conhecimentos e habilidades merece todo o nosso repúdio, indignação e protesto formal. O desconhecimento acerca das atribuições e responsabilidades do Ministério da Educação já não causam surpresa, tendo em vista a inação de seu dirigente máximo em cuidar dos interesses de milhares de estudantes durante a gravíssima crise sanitária causada pela COVID. Nesse sentido, sua fala reafirma o caráter retrógrado, elitista e supressor de direitos que caracteriza o atual governo.
Em 2022, completamos 10 anos em que o povo negro conquistou a vitória das cotas raciais nas universidades federais. Não é por acaso este momento no qual Milton Ribeiro declara sua visão de caráter elitista do ensino superior – no próximo ano, está prevista a avaliação dessa política afirmativa. É nesse esteio que recebemos a afirmação do atual Ministro da Educação sobre “a universidade ser um lugar para poucos”.
O posicionamento do ministro reafirma o projeto deste governo de acabar com as vitórias que o movimento negro brasileiro conquistou historicamente: minar a nossa entrada no ensino superior significa justamente legar à juventude negra do país o seu projeto de genocídio. A entrada dos nossos jovens nas universidades públicas é o mais eficaz enfrentamento ao projeto de genocídio da população negra – presente desde a fundação da sociedade brasileira, aprofundado pelo governo Bolsonaro.
Segundo o IBGE, entre os anos de 2010 e 2019, o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400%. Quando o ministro defende uma universidade “para poucos”, reivindica, na verdade, uma universidade para os brancos, os extratos de elite do país. Seu posicionamento é, portanto, mais uma demonstração e reação de viés racista, discriminatório e elitista. E é inadmissível calar diante dessa violação de direitos justamente quando, também segundo o IBGE, o número de matrículas de estudantes negros e pardos nas universidades e faculdades públicas no Brasil ultrapassou, pela primeira vez, o de brancos. Em 2018, esse grupo passou a representar 50,3% dos estudantes do ensino superior da rede pública.
A implementação do sistema de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras significou um processo importante de democratização do acesso ao ensino superior no Brasil. A juventude brasileira que, em sua maioria é negra, periférica, quilombola, pobre, indígena, LGBTQIA+, vem modificando as estruturas do pensar, questionando nossa academia de um pensamento branco, colonial, masculino e cisheteronormativo. Tais avanços merecem ser celebrados e fomentados. O compromisso do Brasil deve ser com o futuro da sua juventude.
Em 2021, foi registrado, pela primeira vez, mulheres negras como a maioria ocupando vagas nas universidades públicas do país – o que demonstra a necessidade de se ampliar a política de cotas, não apenas para a graduação, mas também para a pós-graduação dessas instituições. O racismo estruturante da sociedade brasileira precisa ser enfrentado em vários níveis, inclusive no que diz respeito ao acesso à educação.
Negras e negros formam mais de 56% da população brasileira e são a maioria das trabalhadoras e trabalhadores que geram a riqueza deste país, mas ainda compõem mão de obra precarizada e mal remunerada. Por isso, é necessário o desenvolvimento e o investimento em políticas de assistência estudantil – para garantir a permanência de jovens no ensino superior, para que possam concluir a graduação, continuar seus estudos e o desenvolvimento de pesquisas.
O Sr. Milton Ribeiro, como Ministro da Educação, deveria lutar pela educação acessível e de qualidade para todos, e não desferir ataques contra o processo de democratização do ensino superior no Brasil. O que se espera de seu papel e compromisso institucional com a sociedade brasileira é o zelo incessante pela garantia do direito universal da educação. Muitas seriam as tarefas do ministro neste momento em nome da defesa à educação, como, por exemplo, ser contrário ao desmonte do CNPQ e da Plataforma Lattes que, há alguns dias, sofreu um apagão de dados preocupante, colocando em risco o levantamento de anos de produção científica brasileira. Além disso, cumprindo sua função pública, o Sr. Milton Ribeiro deveria se colocar a serviço de garantir o aumento do investimento público nas universidades federais que já anunciaram que estão com recursos para manutenção de sua estrutura amiúde.
Repudiamos veementemente a declaração do ministro Milton Ribeiro e não aceitaremos retrocessos! A universidade pública e o ensino superior como um todo devem ter seu acesso garantido a todos e todas como mecanismo sério de enfrentamento às desigualdades sociais e raciais que perfilam a sociedade brasileira e em nome da promoção da democracia.
A educação é um direito constitucional fundamental que deve ser garantido a todas as pessoas. Nossos jovens, filhas e filhos de empregadas domésticas, faxineiras, pedreiros, agricultores e porteiros permanecerão ingressando nas universidades país afora, formando-se médicas, advogadas, engenheiras, cientistas, professoras, filósofas, enfermeiras, dentistas, agrônomas – fazendo das universidades um espaço da maioria, da diversidade, da pluralidade, da democracia e não dos poucos privilegiados de sempre. É disso que o país precisa, é nesse Brasil que acreditamos e são esses os valores pelos quais a Coalizão Negra por Direitos continuará lutando hoje e sempre.