Tribunal de Justiça de São Paulo mantém condenação de Jair Bolsonaro por acusar jornalista de produzir “Fake News”

Presidente da República havia entrada com recurso contra decisão judicial de dezembro passado

O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), terá que pagar uma indenização por danos morais causados à jornalista Bianca Santana. A decisão foi proferida pela 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que ratificou a decisão de primeira instância, de 10 de dezembro de 2020. 

A profissional processou o chefe do executivo após ter sido acusada de disseminar fake news. Durante transmissão ao vivo nas redes sociais, em maio de 2020, o presidente creditou à jornalista a autoria de uma notícia que ela não escreveu. 


Na decisão, a justiça declara que “a atribuição equivocada de prática de fake news a respeitável jornalista, em fala do Presidente da República durante live por ele transmitida a seus seguidores no YouTube, caracteriza ofensa à honra e prejudica a credibilidade que todo jornalista deve ter”. 

Em sua apelação, o presidente havia solicitado a anulação da sentença por cerceamento de defesa, reforma integral da sentença, para a demanda ser julgada improcedente e a reforma parcial da sentença, para o fim de ser reduzido o valor indenizatório. Segundo sua defesa, ele apenas cometeu um “erro material” ao falar o nome da jornalista, sem dolo, e por isso pediu desculpas, retirando o conteúdo do ar. Ainda destacou que o “lapso por ele cometido poderia ter ocorrido com qualquer pessoa que diariamente transmitisse vídeos ao vivo com o objetivo de, na condição de Presidente da República, aproximar-se do povo brasileiro”. 

Para a justiça, o pedido de desculpas aconteceu depois da abertura do processo e “não descaracteriza a ilicitude do ato, nem apaga o dano já consumado, servindo apenas para redimensionar o valor indenizatório, por amenizar a dor e o sofrimento”. Além disso, “sendo o autor da ofensa o Presidente da República, mandatário do Estado, o impacto moral é inegável e dispensa prova mantida”. 

Além disso, “dizer que se trata de ato corriqueiro da vida ofender a honra alheia – de quem objetiva se aproximar do povo mediante programas transmitidos ao vivo pelo YouTube apenas reforça o desprezo à honra alheia e viola um dos fundamentos da República presidida pelo réu, exatamente a dignidade da pessoa humana, como anunciado logo no artigo 1º, da Constituição da República”.

O presidente da República ainda se defendeu, dizendo que a “autora tem o réu como seu desafeto político, conforme postagens que ela teria feito pós-sentença”, dizendo ainda que o valor da sentença é desproporcional ao fato ocorrido. 

“Como declarou a própria sentença da justiça, assim como a flecha lançada pelo arqueiro, a palavra emitida pelo orador não tem volta: se bem direcionada, atinge diretamente o alvo. Ou seja, ele me acusou e, portanto, não é possível apagar isso. Ele é o presidente da República e precisa dar o exemplo”, afirma Bianca Santana. 

Bianca Santana compõe a Uneafro Brasil, organização que faz parte da Coalizão Negra Por Direitos, e tem um histórico de militância e comprometimento com a pauta antirracista. Além disso, é diretora da casa Sueli Carneiro, pesquisadora, professora e escritora e mestre em Educação e doutorado em Ciência da Informação, tendo atuado como professora universitária na graduação e pós-graduação. Escreve para diversos veículos da imprensa e palestra em eventos nacionais e internacionais, chegando a ser referência no movimento negro brasileiro.

Para a advogada da ação, Sheila de Carvalho do escritório Carvalho Siqueira Advogadas, a decisão é um marco na agenda de liberdade de expressão do país: “Constantemente assistimos Jair Bolsonaro atacar e tentar limitar o devido exercício da profissão de jornalistas. Suas lives semanais têm sido palco para ataques e produção de notícias falsas que cerceiam o direito ao acesso à informação. Tais atos praticados pelo atual presidente da república não deveriam passar impunes pelo crivo da justiça, que essa decisão sirva de parâmetro para garantir que em casos similares sejam resguardados os direitos constitucionais aos jornalistas”.

A indenização aplicada pela justiça foi no montante de 10 mil reais e será direcionada ao Instituto Marielle Franco para ações em memória da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada pela milícia no Rio de Janeiro.