Na tarde da sexta-feira, 05 de novembro, a Coalizão Negra Por Direitos realizou o evento “Terra, territórios e o enfrentamento ao racismo nas lutas contra a crise climática”. Durante o painel, representantes de organizações do movimento negro e ambiental lançaram a carta manifesto ‘Para controle do aquecimento do planeta desmatamento zero: Titular as terras quilombolas é desmatamento zero’ na 26ª Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas e debateram sobre seu papel no debate climático e a importância dos territórios quilombolas, do campo e da cidade para um caminho com futuro melhor.
A carta lançada, foi assinada por mais de 200 organizações do movimento negro que defendem uma incidência direta contra o racismo ambiental, pela redução do aquecimento do planeta, desmatamento zero nas florestas Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga brasileira e em defesa da titulação das terras e dos territórios quilombolas também como estratégias pelo desmatamento zero. O documento foi divulgado na íntegra no site da Coalizão Negra por Direitos.
“Eu trago minha voz como denúncia para que a gente olhe para a juventude preta, periférica, quilombola da região amazônica” introduziu a jovem amapaense, Hannah Balieiro, bióloga e atual presidente do Instituto Mapiguari. Ela falou sobre a invisibilidade ainda maior das comunidades tradicionais e periféricas em seu estado “Dentro do meu estado tem cerca de 300 comunidades quilombolas, institucionalizadas ou em processo de demarcação. É preciso falar que a região amazônica também é terra quilombola, de gente preta. Terra de se morar, de se viver, de se plantar e de se resistir.” reforçou.
No fim de sua fala apresentou a triste realidade da juventude negra do estado do Amapá, que é o estado com maior letalidade policial do país “O estado chega primeiro dentro na região dos quilombolas e da periferia, através da polícia e da violência. Então o genocídio preto dentro da região amazônica tem acontecido, mas ele é pouco noticiado. “ finalizou
Representando a juventude paulista, a diretora-executiva da Perifa Sustentável e jovem embaixadora da ONU, Amanda Costa falou sobre a importância de viabilizarmos vozes do sul global para a narrativa climática “É importantíssimo pontuar que o que a gente vive hoje, é fruto desse modelo de desenvolvimento patriarcal, heteronormativo, capitalista e supremacista branco. Quando a discussão sobre sustentabilidade é feita, ela é feita através desse lugar, onde os países desenvolvidos colocam os países do sul global em constante atraso e desigualdades” introduziu.
Para ela, falar sobre crise climática na periferia é falar sobre um lugar de sobrevivência, muitas vezes o discurso climático se afastou da periferia por uma narrativa que foi construída por pessoas brancas. “Falar da crise climática, é falar que narrativas decolonizadas precisam ser construídas. Narrativas do sul global precisam ser protagonizadas. A gente pauta uma justiça social, ambiental e econômica que tem que ser fundamentada na justiça racial.” concluiu.
Segundo as organizações, “a crise climática é também humanitária” e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e dos povos indígenas. No Brasil, a maioria populacional é negra e representa, hoje, 56% da população (IBGE, 2020). Dados esses que foram debatidos e apresentados pela coordenadora nacional da CONAQ, Kátia Penha,das 6.300 comunidades quilombolas do Brasil, 4 estão aqui, cada uma de um bioma diferente. Esse espaço sempre foi ocupado sem nós, dialogado sem nós. Então nós estamos fazendo a diferença nesse espaço, somos só 4 pessoas, mas temos a potência de representar mais de 16 milhões de pessoas nesse espaço.”
Moradora do território Sapê do Norte, no Espírito Santo, ela falou também da exploração de recursos naturais feiras no local: “eu moro num território que tem exploração de petróleo, que a gente deixou de plantar mandioca, feijão e milho para explorar, sem nos consultar. Retiraram da nossa terra a nossa plantação e começaram a cavar poços de petróleo. Do outro lado da comunidade, são milhares de hectares de eucalipto, para onde nós vamos? onde vamos plantar?”. Ao encerrar sua fala, Kátia falou do legado da resistência das comunidades quilombolas “eles podem ir com todas as boiadas, mas vai ter muitas cercas vivas em cada território desse Brasil”.
O geógrafo e coordenador do Instituto Amazônia Legal Urbana, Diosmar Filho, falou da importância histórica dos povos negros originários ocuparem um lugar de destaque na COP26 “não podemos mais fazer COP sem a representação negra e quilombola do Brasil. O desafio que nós temos enquanto sociedade brasileira, é responder ao que vai ser humanamente o que vai ser a vida de 63% da população brasileira formada por negros e indígenas, nós temos um desafio de fazer um debate a partir dessa COP. O que serão os fundos de financiamento de combate à mudança climática, e nós não queremos só mitigação da economia verde”.
Ele reforça ainda que as consequências do racismo ambiental levam a população negra para moradias e condições indignas “as cidades Brasileiras foram construídas sob o genocídio. Desde o tráfico e a escravidão de pessoas africanas, criando uma sociedade em diaspora, descendente de pessoas do continente africano. As cidades brasileiras são cidades negras, e nós estamos aqui para colocar que a carbonização foi criada por uma sociedade escravista e racista. Os países do norte europeu tem responsábilidade pelo genocídio do povo negro no Brasil e nós estamos lançando esse manifesto para dizer, sem nós não vai ter combate a crise climática.”
Finalizando o ato de lançamento da carta manifesto, Douglas Belchior historiador e cofundador Uneafro Brasil e da Coalizão Negra Por Direitos, relembrou os exatos 6 anos da tragédia ambiental do rompimento da barragem de Mariana (MG) “Nós estamos aqui para denunciar as corporações assassinas que matam o nosso povo todos os dias no Brasil. Centenas de pessoas assassinadas e uma justiça parcial, junto com um Ministério Público conivente e irresponsável que até hoje não responsabilizou os assassinos das pessoas que morreram trabalhando ou moravam nos entornos. Todo o impacto socioambiental acabou com a vida de centenas de pessoas em Mariana. Três anos depois também Brumadinho!”. ressaltou.
Douglas Belchior, falou também do legado de exploração da população negra e dos povos originários brasileiros: “é uma experiência humana violada historicamente, de um povo escravizado por 400 anos e de uma sociedade que se organizou para manter esse povo no chão, sob julgo. Toda a estrutura social brasileira está baseada no racismo. Nós temos uma elite branca, supremacista em toda a sua estrutura social e financeira” sintetizou.
“Somos 56% da população brasileira, aquela que gera as riquezas, aquela que construiu o país, aquela responsável pelas contas gordas inclusive de quem financia esses espaços. Cada minuto de resistência dos povos originários desde a invasão em nossas terras, cada gota de sangue derramado pelo povo africano e seus descendentes em todo o período colonial e em uma democracia de mentira que meu povo continua sendo violentado. Nós estamos em luta, e hoje a Coalizão Negra Por Direitos simboliza a grande unidade nacional contra o racismo e por justiça climática” encerrou Belchior no final do evento.