Em defesa da vida de parlamentares ligados ao movimento negro brasileiro, pelo fim da violência política eleitoral

A violência racial tem sido um fundamento do fazer político nacional que antecede até mesmo o marco formal da independência do domínio português, em 1822. Pautada por valores da dominação colonial europeia e práticas genocidas contra populações negras e povos indígenas, a política no Brasil atualiza repertórios de atos físicos ou de intimidação psicológica praticados, direta ou indiretamente, por pessoas ou grupos detentores ou não de funções de representação política ou mandatos eletivos, com o objetivo de atentar contra a vida, agredir, ameaçar, ofender ou limitar ilegitimamente, por qualquer meio, o pleno desenvolvimento e a participação política de ativistas, militantes de movimentos sociais, dirigentes sindicais e/ou partidárias/os e representantes eleitas/os, candidatas/os e pré-candidatas/os negras/os e indígenas.

Por vezes, atos físicos, ameaças e agressões praticados por pessoas detentoras de funções de representação política traduzem o objetivo de determinados grupos de desestabilizar e afetar o funcionamento legítimo e regular das instituições e serviços públicos, inviabilizando qualquer promessa de democracia. Outrossim, esses atos comprometem não apenas pessoas eleitas, candidatas, pré-candidatas ou designadas para exercer papel de representação pública e/ou política, mas também de eleitoras/es e demais cidadãs/ãos que encontram nessas/es representantes ecos para suas demandas. Com isso, a garantia plena do direito político se vê em suspensão, interrupção ou, quando menos, instabilidade.

O relatório ”Violência Política e Eleitoral no Brasil: panorama das violações de direitos humanos de 2016 a 2020”, produzido pela Terra de Direitos e a Justiça Global, reconhece que a violência política eleitoral no Brasil tem como principais motivações: causas partidárias e ideológicas; vinculação ao racismo e ao racismo religioso;  às questões de gênero e orientação sexual; econômicas e territoriais. Outro dado que cabe destacar é que, desde 2016, a violência política eleitoral tem se intensificado. Em particular, houve o  aumento do número significativo de assassinatos, a exemplo do ocorrido com a vereadora Marielle Franco, cuja morte se deu em 2018 e, até hoje, não sabemos quem foram os mandantes desse crime.  

No que diz respeito ao volume total dos registros de violência política praticada no Brasil entre os anos de 2016 e 2019, apenas no último ano foram registrados aproximadamente três vezes mais casos em relação a 2016. Em 2020, até 1º de setembro, e antes do período eleitoral, houve aumento de 37% de casos em relação a 2016. Mulheres negras são a maioria das vítimas da violência política eleitoral em se tratando de ofensas, via de regra, com viés racial.

Sendo assim, não nos espantamos com as ações promovidas contra a vereadora  Taise Braz, de Catanduva (SP), e o vereador Renato Freitas, de Curitiba (PR), que após a participação nos atos “Justiça para Moïse”, no ínicio do mês de fevereiro em suas respectivas cidades, passaram a sofrer ameaças de cassação de seus mandatos, gerando em seus/as eleitores/as a incerteza acerca do respeito a seus votos e à sua condição de cidadãos/ãs com direitos políticos efetivos. Legitimados numa tradição de golpes, são inúmeros os casos de violência política eleitoral e intimidações como as que sofreram a deputada estadual Érica Malunguinho (PT-SP); a vereadora de São Paulo, Érika Hilton (PSOL-SP), a vereadora de Niterói, Benny Brioli (PSOL-RJ) e as co-vereadoras de São Paulo, Samara Sosthenes (PSOL-SP) e Carolina Yara (PSOL-SP), mulheres trans e travestis que sofreram ameaças de morte; as vereadoras de BH Iza Lourença (PSOL-MG) e Macaé Evaristo (PT-MG) e ainda a deputada estadual Andreia de Jesus (PSOL-MG); a deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ) e a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ) que também tiveram suas vidas ameaçadas.

Nossas vidas não serão interrompidas e um Brasil realmente de todas/os/es e para todos/as/es não será possível sem nossas formulações, elaborações, sem o nosso protagonismo político. Por todas/os que morreram na luta por justiça e liberdade, por todas as pessoas vitimadas pelo Terror de Estado; por todas/os/es que chegaram antes e chegarão depois de nós para a construção do BEM VIVER!! FAREMOS PALMARES DE NOVO!

Coalizão Negra Por Direitos