Manifesto da Coalizão Negra Por Direitos sobre a negligência do governo federal na pandemia de Covid-19
O mundo ultrapassou a marca de 106 milhões de pessoas diagnosticadas com Covid-19 e mais de dois milhões e trezentos mil óbitos. No Brasil, oficialmente, passamos de 9,5 milhões de casos e mais de 230 mil vítimas fatais, número que corresponde a mais de 10% das mortes pela doença em todo o planeta. O Brasil é o segundo país no mundo que mais tem mortes em decorrência da pandemia. A cada grupo de mil pessoas, uma morreu por complicações causadas pelo novo coronavírus no país. A maioria dessas vidas poderia ter sido poupada, caso o governo brasileiro tivesse adotado os procedimentos recomendados pela Organização Mundial da Saúde – OMS. Um ato deliberado que conduziu uma tragédia humanitária, provocado por decisões políticas da presidência.
A subnotificação é uma realidade a ser considerada quando se trata dos números da Covid-19 no Brasil. Estudos apontam que as mortes provocadas pela doença são entre 30 a 50% superiores aos dados oficiais, considerando consistentes informações de que o vírus circula em território nacional desde novembro de 2019. Nesse período, houve um aumento de mortes provocadas por quadros de síndromes respiratórias. Além disso, muitos óbitos ocorreram nas residências das vítimas e muitas dessas não entraram nos registros oficiais.
A dinâmica de contaminação e mortalidade da Covid-19 espelha o histórico de racismo e segregação que se perpetua em nossa sociedade e se materializa na enorme desproporção, tanto em números de pessoas infectadas, como pela elevada mortalidade na comunidade negra urbana e rural. Somos nós, povo negro, moradoras e moradores de regiões periféricas, faveladas, quilombolas, pescadores e de comunidades tradicionais, ribeirinhas e em situação de vulnerabilidade social, sem dúvidas, o segmento populacional mais afetado pela doença.
Essa tragédia de mortes causadas pela Covid-19 no Brasil é fruto da política de morte implementada pelo governo Bolsonaro. É agenda desse governo de extrema-direita, declaradamente racista e inimigo dos direitos humanos. Um estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Conectas Direitos Humanos mapeou a resposta jurídica emitida pelo governo em relação à epidemia e concluiu que o governo atuou de forma efetiva pela disseminação do vírus e sob a liderança do presidente da república. O governo brasileiro incorreu em graves violações dos direitos humanos, muitas delas que reverberam em crimes de responsabilidade, e mostrou que essas violações tinham alvo: as populações negras e indígenas, segmentos historicamente invisibilizados pelo Estado Brasileiro. Foi com base nesses aspectos jurídicos e políticos que a Coalizão Negra por Direitos protocolou uma das dezenas de pedidos de impedimento do presidente Bolsonaro, ainda em agosto de 2020.
POBREZA EXTREMA – MULHERES NEGRAS ESTÃO ABAIXO DA LINHA DE POBREZA
A desumana agenda do governo Bolsonaro promoveu o maior empobrecimento da população negra do século. Segundo dados do IBGE, já em 2019, vimos um aumento do empobrecimento da população brasileira, atingindo prioritariamente a população negra que compõe mais de 10 milhões do total de 13,7 milhões de brasileiros desempregados. Um informe publicado pela ONU sobre o impacto da pandemia concluiu que, em 2020, o Brasil dobrou o número de pessoas em situação de extrema pobreza, elevando para mais de 20 milhões o número de mulheres e homens negros atirados para a pobreza extrema.
AUSTERIDADE ECONÔMICA E INFLAÇÃO PARA OS MAIS POBRES
Estima-se que demoraremos mais de uma década para recuperar o empobrecimento generalizado, caso políticas públicas sejam implementadas para sanar essas iniquidades. O governo atuou para que a população fosse desassistida nos serviços de saúde e sofresse duplamente pela escalada inflacionária que prevaleceu em detrimento das vidas humanas.
Com muita demora, a adoção de medidas para reduzir o impacto econômico nas famílias pobres e de maioria negra, através do auxílio emergencial, só foi possível após uma luta intensa de movimentos sociais e parlamentares progressistas. A Coalizão Negra por Direitos atuou ativamente na defesa da proposta. Esse atraso de uma política tão fundamental é prova inequívoca da postura genocida do governo. O grupo mais afetado pela pandemia, a população negra, deve também ser o público de extrema prioridade nos programas de imunização.
Segundo o Boletim do Dieese de número 26, de fevereiro de 2021, a taxa de inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IPCA/IBGE), acumulou 4,52% em 2020. Apenas em dezembro, a alta foi de 1,35%, a mais acentuada para esse mês, desde 2003. Já o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC/IBGE), indicador mais utilizado pelo movimento sindical nas negociações coletivas, encerrou 2020 com elevação acumulada de 5,45%. Os preços que mais subiram e impactaram a inflação foram os dos alimentos – aumento acumulado de 15,5% no ano, enquanto os preços de itens não alimentícios variaram 2,6%. As maiores elevações foram verificadas no preço do óleo de soja (104%), do feijão (81,4%), do arroz (75,3%) e da batata-inglesa (67,3%).
*BOLETIM DE CONJUNTURA Número 26 – Fevereiro de 2021
A Coalizão Negra Por Direitos exige providências
A Coalizão Negra Por Direitos, articulação que reúne 200 entidades, organizações e coletivos do movimento negro brasileiro, denuncia publicamente a negligência do governo federal que nega os direitos à saúde a essas pessoas e que, dessa forma, dá continuidade ao projeto genocida que, com sua necropolítica, dizima milhares de vidas no país diariamente.
A dinâmica de infecção, morbidade e mortalidade desproporcionais da Covid-19 no Brasil que retratam a realidade perversa de racismo, segregação e ausência dos direitos fundamentais para a população negra; a penalização das chefas de famílias; a redução da expectativa de vida dessa população; o empobrecimento brutal e aumento da letalidade policial que resultam em assassinatos de crianças e jovens; a falta de acesso da população negra à atenção básica, a serviços eletivos e à hospitalização por outras doenças; e a dificuldade de acesso à testagem que não revela a realidade da infecção nas comunidades negras são os resultados dessa forma nefasta de fazer política.
Especificamente sobre a vacinação, exigimos que haja prioridade na imunização da população negra, dos povos tradicionais, quilombolas, ribeirinhos, de pesca tradicional, comunidade extrativista e povos de religião de matriz africana, além de moradoras e moradores de comunidades com alta concentração populacional -, comunidades e favelas, trabalhadores do comércio informal de rua, pessoas em privação de liberdade (considerando crianças e jovens), pessoas com comorbidades, independente da idade, e trabalhadoras domésticas. Tudo levando em conta o princípio de equidade e a grande vulnerabilidade social dessas pessoas. É importante considerar pessoas idosas desse segmento, aquelas acima de 55 anos, porque a elas há menor expectativa de vida quando comparadas à população branca.
Garantir as duas doses da vacina também à População LGBTTQIA+, às pessoas sem documentos de identificação ou registro de nascimento, refugiados e imigrantes, incluindo os sem situação regularizada no país, a população sem teto e drogadictos, é garantir que toda a população poderá se proteger em tempo hábil e sem exclusões.
A Coalizão Negra por Direitos exige:
- Ampla cobertura vacinal;
- Imediata retomada do Auxílio Emergencial até o fim da pandemia e consequente aprovação de uma Renda Básica permanente, sem prejuízo do Bolsa Família;
- Fortalecimento dos Benefícios de Prestação Continuada;
- Atendimento a todos os protocolos de proteção determinados pela Organização Mundial de Saúde enquanto perdurar a pandemia;
- Erradicação da política genocida do governo contra a população negra e indígena;
- Fim da Emenda Constitucional 95 que retirou investimentos da saúde e provocou o sucateamento do Sistema Único de Saúde – SUS (perdemos 18 bilhões de investimentos somente em 2019).
Da mesma forma, a nossa agenda de incidência política vai reivindicar o tratamento digno para pacientes de Manaus/AM e outras regiões e denunciar o genocídio a que foram submetidas centenas de pessoas sem acesso adequado ao tratamento da Covid-19 por falta de oxigênio ocasionado pela negligência e pelo abandono do Estado.
Além disso, a efetivação do direito à saúde, com a manutenção e aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde (SUS), considerando as especificidades da saúde da população negra, conforme definido na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/10), com aplicação dos recursos necessários, combate ao racismo e investimento na promoção dos saberes das comunidades de terreiro, de práticas de cuidado e autocuidado, no acesso às tecnologias em saúde, na prevenção e promoção da saúde e ambiente saudável, com atenção especial à saúde mental, será uma das principais cobranças para defender a vida e a boa saúde da população negra brasileira.