Por: Caio Chagas
O Dia Mundial da Saúde é celebrado em 7 de abril, data definida pela Organização Mundial da Saúde no ano de 1948, para conscientizar a população sobre a importância das práticas de saúde na melhora da qualidade de vida. Anualmente, o Dia Mundial da Saúde discute um tema principal que representa a Agenda Internacional da Organização Mundial da Saúde. Em 2021, a data destaca o tema “Construir um mundo mais justo, equitativo e saudável”, momento em que o mundo todo passa por dificuldades trazidas pela pandemia, e que coloca o Brasil como centro da crise de saúde internacional, com mais de 20% do total de mortes pela Covid-19 no mundo desde o início da pandemia.
Segundo o Consórcio de Veículos de Imprensa, a partir dos dados das Secretarias Estaduais, neste momento da pandemia, o Brasil encontra-se com média móvel de mortes de 2.775 vidas perdidas diariamente, com média de mais de 60 mil casos novos a cada 24 horas. No pior momento da pandemia, ocupando o segundo maior número de mortes do planeta, o país segue com lenta campanha de vacinação, dificuldade na aquisição de vacinas e aumento significativo nas desigualdades sociais.
Em junho de 2020, a Coalizão Negra Por Direitos protocolou o 56º pedido de Impeachment contra o Presidente Jair Bolsonaro. Em fevereiro, a articulação nacional com mais de 200 organizações de movimentos negros de todo o Brasil publicou um aditamento ao seu pedido de impedimento, incluindo, dentre os crimes de responsabilidade, a ação do Presidente da República na ausência de um plano de vacinação, o colapso na saúde no estado do Amazonas e a ausência de ações contra a Covid-19. Além de destacar diversas ações de violações de direitos humanos, de imprensa e constitucionais que afetam toda a população brasileira, mas, principalmente, a população negra.
Acirramento das desigualdades raciais
Dados da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade mostram que 67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do SUS são negros. Em um levantamento feito pelo Instituto Polis, que analisou a mortalidade na cidade de São Paulo entre os meses de março e julho, apontam que a doença é mais letal dentre os homens negros, 250 mortes a cada 100 mil habitantes. As mulheres negras também têm maior incidência de falecimento pela doença, com 140 mortes por 100 mil habitantes, contra 85 por 100 mil entre as mulheres brancas.
Para o enfermeiro, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação (NEPRE) da UFMT, Valdeci Silva Mendes, é preciso, primeiro, identificar que, devido aos fatores sociais e econômicos desprivilegiados, oriundos do racismo estrutural e sistêmico, colocam a população negra no menor acesso à educação, consequentemente, ao mercado de trabalho, com desdobramentos à ausência de condições de moradias sanitárias adequadas, o que aumenta condições desfavoráveis em saúde e torna essa sua alta de procura ao SUS.
A subnotificação é outra realidade a ser considerada quando se trata dos números da Covid-19 no Brasil. Estudos apontam que as mortes provocadas pela doença são entre 30 e 50% superiores aos dados oficiais, considerando consistentes informações de que o vírus circula em território nacional desde novembro de 2019. Nesse período, houve um aumento de mortes provocadas por quadros de síndromes respiratórias. Além disso, muitos óbitos ocorreram nas residências das vítimas e muitas dessas não entraram nos registros oficiais.
Valdeci é autor do livro ‘Ensinar para cuidar em enfermagem: Uma abordagem étnico-racial, histórica e contemporânea’, em que busca compreender a prática do cuidado na perspectiva racial dos profissionais de enfermagem. Analisando o cenário atual, ele ressalta que, com a sobrecarga do Sistema de Saúde, o racismo pode interferir em uma escolha de acesso ao leito hospitalar e, ainda, influenciar ao atribuir que indivíduos da população negra, pela crença de ser mais forte e mais resistente, pode ter um tempo de espera maior de atendimento, como identifica essa mentalidade racista em sua pesquisa de mestrado em educação concluída em 2015. “O mesmo racismo que compõe essas mentalidades se opera com maior facilidade em tempos de crise. Quando o direito à vida e o acesso à assistência em saúde está comprometido, o racismo pode ocupar lugar de decisão, muitas vezes, de forma inconsciente, porque se naturalizou a morte de indivíduos da população negra no Brasil”, finaliza.
Enfraquecimento das políticas de Saúde Pública
O Inesc publicou o estudo “Um país sufocado – balanço do Orçamento Geral da União 2020” que traz uma análise dos gastos federais de 2020 destinados tanto a ações extraordinárias de enfrentamento à Covid-19, quanto para gastos com Saúde, Educação, Meio Ambiente e Direito à Cidade. Segundo o documento, o governo federal deixou de gastar R$ 80,7 bilhões do orçamento destinado a conter os efeitos da pandemia em 2020, apesar da gravidade da crise sanitária e social instalada no país desde a chegada da pandemia.
Emanuelle Góes é enfermeira, Doutora em Saúde Pública, Pós-Doc Cidacs-Fiocruz-Bahia e pesquisadora em Gênero e Saúde (MUSA). Para ela, a pandemia acirrou as desigualdades de acesso à saúde que já existiam. “O que a gente conseguiu avançar ao longo desses anos, agora, a gente vive um momento de retrocesso que tem levado vidas. Todas as etapas que compõem o Sistema Único de Saúde, que são as etapas da promoção, prevenção, do tratamento e da recuperação estão prejudicadas pela questão política, decisões políticas têm colocado as vidas em último plano”.
Para ela, é muito importante destacar a ineficácia de tratamentos como o Kit Covid, que não tem efetividade comprovada. “É mais um ponto da disputa política. Vivemos um momento difícil, onde a ciência tem sido questionada e qualquer pessoa deduz, ficando acima das evidências dos estudos”, afirma a enfermeira. Em posicionamento aos Deputados Federais publicado em seu site, a Coalizão Negra Por Direitos responsabiliza o Presidente Jair Bolsonaro pelos crimes de responsabilidade por ele cometidos durante o exercício do seu mandato, em especial os crimes de responsabilidade que colocaram em risco a vida de milhares de brasileiros.
“Ao mesmo tempo em que atua contra a eficácia da vacina, ele coloca esse kit Covid, com medicamentos ineficazes e que causam sequelas nos pacientes e até uma piora em seus quadros quando contraem o vírus”, afirmou a Mestre em Patologia Humana e Integrante da Coalizão Negra, Maria José Menezes, referindo-se à ferramenta TrateCov, do Ministério da Saúde, que recomenda o uso de medicamentos sem comprovação científica, como a Cloroquina, para tratar preventivamente a Covid-19.
Vacinação
O deputado Hildo Rocha, com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira, propôs o esquema de compra de vacinas pela iniciativa privada, através do Projeto de Lei 948/2021, que permite a compra de vacinas sem que haja repasse ao SUS e com isenção de impostos, ou seja, os grupos de risco, que já pagam com a vida, podem pagar também para dar lugar aos empresários na ordem de vacinação. No dia 6 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou, por 317 votos a 120, o texto-base da proposta que segue agora para a análise de 10 destaques. A aprovação ocorreu após a relatora do projeto, Celina Leão (PP-DF), retirar um trecho que tratava da possibilidade de imunizar os familiares dos empregados.
A enfermeira Nara Nascimento, do Comitê de Saúde da População Negra da Secretaria de Saúde de Cuiabá, observa com preocupação a aquisição de vacinas por empresas privadas. “O Projeto prejudica o acesso da população pobre, periférica e negra à imunização e segue privilegiando a quem desfruta de benefícios, riquezas e melhores condições de vida”. Coloca em destaque as ações tomadas pela atual gestão federal que reduzem direitos, fortalecem grandes empresários e aumentam o genocídio da população negra. “A atenção qualitativa à saúde da população implica em conhecimento da realidade, aprimoramento tecnológico e científico para a promoção da saúde, prevenção e tratamento das doenças, reabilitação e socialização para a adoção de ações oportunas e eficazes, sendo a pesquisa fundamental. A redução dos recursos e incentivos à pesquisa piora o acesso e a qualidade da atenção prestada à população, aumentando o risco e a vulnerabilidade de negros e pobres”, conclui.
Manifesto Abaixo o Projeto de Lei Fura-Fila da Vacina:
Na tarde de 6 de abril, a Coalizão Negra Por Direitos Divulgou seu manifesto ‘Abaixo o projeto de lei fura-fila da vacina: por uma vacinação para todas e todos pelo Sistema Único de Saúde’ em que destaca aspectos éticos que podem levar à corrupção e até mesmo ao privilégio de uma população em detrimento do poder econômico.“(…)Por esse contexto, nós, sociedade civil brasileira, somos absolutamente contrários à aprovação do projeto de lei 948/2021 (proposto pelo deputado Hildo Rocha) e seu substitutivo (proposto pela deputada Celina Leitão), que está em votação na Câmara dos Deputados. A pandemia é um desafio global e público e precisa ser combatida no âmbito de um sistema de saúde que consiga promover seguridade e proteção social, garantindo que o acesso à saúde seja cumprido na prática de forma equitativa, universal e redistributiva. Toda a população tem direito de ser vacinada e isso só será possível por meio do SUS. O acesso às redes de saúde no Brasil ainda é um privilégio de poucos, e a compra de vacinas pelo setor privado ampliará (ainda mais) as desigualdades que assolam o Brasil, além de ser uma estratégia ineficiente para o combate ao vírus e demonstrar para o mundo o egoísmo e a forma predatória, violenta e negligente com que o nosso país vem sendo (des)governado em meio a uma crise de saúde pública global(…)”
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