Comentário da articulação do movimento negro brasileira que reúne mais de 250 organização sobre o discurso de Joaquim Leite na Conferência da ONU para Mudanças Climáticas
Ao dizer que “onde existe muita floresta também existe muita pobreza”, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, em primeiro lugar, fez uma fala racista.
O uso da palavra “muita” também não foi à toa. É uma óbvia demonstração da visão deste governo federal sobre o meio ambiente como prejuízo. Podemos dizer então, senhor ministro, que você prefere dizer que “onde existe pouca floresta não existe pobreza”?
Para nós, floresta em pé é gente viva. Onde existe floresta, existe vida. São povos originários, comunidades tradicionais e quilombolas, entre muitos outros que vivem na floresta. São verdadeiras riquezas do Brasil. São os guardiões da floresta.
Em nossa carta lançada na COP26, fizemos questão de destacar, por exemplo, o papel dos territórios quilombolas como estratégias para o desmatamento zero. Algo que o governo finge querer apoiar em discursos com dados trazidos pelo ministro, com a intenção de construir a imagem de um país à venda.
O investimento de U$ 100 bilhões anuais nos países em desenvolvimento que tem sido discutido na COP, por exemplo, tem o dever ético e humanitário de produzir justiça climática e justiça racial.
Precisamos pensar em um novo ciclo econômico que não repita os mesmos processos históricos de carbonização do Planeta que impactou, majoritariamente, as populações periféricas, negra e os povos originários.
O que é atingir essas metas, considerando um país de violências históricas, como o racismo ambiental? Essa crise é humanitária e as respostas têm que vir nessa mesma direção. Humanização não existe no governo Bolsonaro.
E por isso, essa fala é mais um exemplo racista deste governo que na prática não enxerga aqueles que vivem na floresta e construíram o Brasil até aqui. É mais uma estratégia de invisibilização do Estado brasileiro.
Entre suas palavras, ele fala em “oportunidade para o setor privado” – ao destacar o Novo Marco do Saneamento Básico. Mas, onde o ministro fala das oportunidades para a população brasileira que sofre com falta de saneamento e acesso à água?
A posição do atual governo e do presidente da República eleito em 2018 segue a mesma, simbolizada pelo discurso de meados de 2017, quando o então pré-candidato à presidência, após visitar um quilombo, no interior de São Paulo, disse em um evento do Clube Hebraica do Rio de Janeiro que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriadores servem mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gastado (sic) com eles”, (pessoas pretas teriam a mesma categoria de medida de peso que animais como bois ou cavalos, o que desumaniza essa população).
Já como presidente eleito, em março de 2020, Bolsonaro afirmou que seu governo não demarcaria nenhuma terra quilombola, apesar de ser um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que completou 33 anos no dia 05/10/2021.
Fazemos nossas as palavras de Lélia González, em 1984: “Desde a casa grande e do sobrado até aos belos edifícios e residências atuais, o critério tem sido o mesmo: a divisão racial do espaço”.
A realidade da população negra brasileira, como dos quilombolas, é fruto do planejamento equivocado do Brasil e do racismo ambiental.
Continuar negando as estruturas do racismo é negar aos povos e às gerações humanas o direito de Bem Viver no Planeta Terra.