Encontro Nacional “Enquanto Houver Racismo, Não Haverá Democracia” reúne movimento negro e parlamentares em Olinda

O Encontro Nacional “Enquanto houver racismo, não haverá democracia” da Coalizão Negra Por Direitos aconteceu nos dias 01,02 e 03 de dezembro em Olinda, Pernambuco e reuniu líderanças do movimento negro e parlamentares de todo o país. Durante o evento, as lideranças dos movimentos negros que compõem a Coalizão Negra debateram a análise de conjuntura e definição de estratégias para as eleições de 2022.

No primeiro dia do encontro, a mesa “Análise de Conjuntura com vistas às Eleições 2022” reuniu Nilma Bentes, Dandara Rudsan, Mônica Oliveira, Maria José Menezes e Rosilene Torquato, com mediação de Sheila de Carvalho. A mesa debateu um olhar voltado para as candidaturas e possíveis aliados de 2022.

Na abertura da mesa, Winnie Bueno, da RENAFRO, falou sobre a importância de conversar com a juventude. “A militância rejuvenescida talvez seja o ponto mais importante para nos organizarmos. A juventude negra é a que dá mais sentido à interseccionalidade e só será possível construir esse projeto com a juventude”. Rosilene Torquato, dos Agentes de Pastoral Negros, abordou a luta das mulheres negras na construção política. “Somos nós, mulheres negras, que carregamos o peso da sociedade em nossas costas e queremos participar da construção desse país. Trazer para o debate um futuro em que o nosso povo possa ter o bem viver”.

“O Estado brasileiro não operou políticas públicas que pudessem gerar mudanças estruturais nas questões de raça e gênero”, pontuou Mônica Oliveira, da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, durante sua apresentação na mesa. Ela ainda reforçou quais as problemáticas que devem ser combatidas para a conquista de um projeto de redução de desigualdades, “resultados concretos, para mim, são a vida do povo negro. Nós somos a maioria da população que está na ocupação informal, e com o Brasil de volta ao mapa da fome, qual é o perfil da fome? A vida da população negra é inegociável!”, finalizou.

Encerrando a mesa do primeiro dia do encontro, Dandara Rudsan, do Coletivo Amazônico LesBiTrans, denunciou a invisibilidade da pauta trans e travesti. “As mulheres trans têm morrido com requintes de crueldade, muitas vezes, queimadas”. Ela ainda apresentou dados da Antra que apontam que 70% da população trans assassinada é preta e ainda dentro do recorte racial, as mulheres trans e travestis negras são as que se encontram em maioria tendo a prostituição como principal fonte de renda. “Como pensamos a ocupação política a partir de uma perspectiva transgênera e travesti, enquanto estamos tentando sobreviver?”, terminou. 

Após a análise da mesa de conjuntura, o Doutor em Administração e Presidente dos Conselhos da Oxfam Brasil, Hélio Santos, realizou uma intervenção que apresentou cenários e definições de estratégias para as eleições de 2022. “Para o movimento social negro, a questão racial é a matriz explicativa do que somos como país – desigual e injusto”. O professor, em seu discurso, analisou o histórico de ações dos movimentos negros da Frente Negra Brasileira a George Floyd, passando pelos posicionamentos e ações da Coalizão Negra Por Direitos. “Para nós, não há democracia onde há racismo. Portanto, nosso papel é assegurar uma experiência democrática para o país”, encerrou.

Durante a tarde, foram realizados grupos de trabalho temáticos que debateram quais seriam os próximos passos a serem realizados pela Coalizão na tomada de decisões com parlamentares na construção de uma bancada negra.

2° Dia de Encontro

No segundo dia do encontro, as mesas de conjuntura e grupos de trabalho debateram quais serão as estratégias coletivas e pactos de atuação da Coalizão para as Eleições de 2022. A mesa de abertura contou com a participação de Anielle Franco, Douglas Belchior, Rafaela Albergaria, Ieda Leal, Ingrid Farias, Wesley Teixeira e Mãe Nilce de Iansã.

Na fala de abertura, Mãe Nilce de Iansã, da RENAFRO, falou sobre a intolerância que as religiões de matriz africana sofrem historicamente. “Estão mais preocupados em criminalizar o Candomblé do que o genocídio negro”. Ieda Leal, coordenadora nacional do MNU, abordou que, mesmo depois dos 133 anos da falsa abolição, a população negra brasileira vive em condições de desigualdade, “não temos educação, democracia, moradia. Queremos justiça racial, eu quero territórios quilombolas, estado laico”. Encerrando sua fala, Ieda reforçou a importância da representatividade política, “somos um povo que resiste, votaremos em negras e negros, quero que meus companheiros continuem vivos para que eles possam ser Presidentes da República”. 

Rafaela Albergaria, articuladora da rede Mulheres Negras Decidem, trouxe para a discussão o bem viver como estratégia de sobrevivência. “Nós sempre estabelecemos nossas estratégias atravessadas por muitas dores, mas fazer parte do movimento negro trambém é construir um lugar de afeto”, pontuou. Ingrid Farias, da Rede de Feministas Antiproibicionistas, reforçou a importância da construção afetiva do processo político. “Política, para nós, é o afeto. Nós temos um outro referencial de outro tipo de política, nós temos um projeto político de país”. Finalizando, Ingrid trouxe o debate sobre uma nova política de drogas, “nós temos que desestigmatizar a imagem da pessoa negra usuária de drogas no lugar de dependente químico, em situação de rua, encarcerado ou morto, isso é inegociável!”.

Representando o Instituto Marielle Franco, Anielle Franco falou sobre a garantia da segurança de candidaturas negras. “Uma coisa inegável é estar viva! Quem cuida das mulheres negras eleitas? Entre a esquerda e a direita, ainda continuamos pretas, como diria Sueli Carneiro”. Concluindo, ela reforçou a importância do legado de Marielle Franco, “seguimos abrindo caminhos e pensando como pautar o nosso silenciamento e dor, mas transformando em força. O sangue de Marielle não pode ser em vão”. Após a abertura, a partir dos elementos trazidos na mesa e na Carta de Princípios da Coalizão Negra Por Direitos, os GTs deram encaminhamentos para as propostas que serão apresentadas no final do encontro.

Quilombo no congresso

O último dia do Encontro Nacional “Enquanto Houver Racismo, Não Haverá Democracia” da Coalizão Negra Por Direitos reuniu parlamentares negras e negros de todo o país e de diversas instâncias legislativas para apresentar um programa de uma política antirracista para as eleições de 2022. 

“A população negra brasileira é maioria no país, 56% e majoritariamente, nos recusamos a obedecer e reconhecer o presente governo, leniente e serviçal, que entrega tudo aos poderosos de sempre, beneficiários das políticas ora implementadas, mas carrasco para com as populações empobrecidas, ampla maioria do povo brasileiro”, apresentou Hélio Santos aos convidados. Mais de 30 mandatos estavam presentes, sendo eles: vereadores, deputados estaduais e deputados federais.

A construção coletiva de todo o encontro se somou em propostas tangíveis que transcendem as composições partidárias na edificação de um país forjado pelas pautas do movimento negro. Construção coletiva do movimento negro brasileiro, a Coalizão Negra Por Direitos oferecerá ao país um programa político dos de baixo, daqueles que são maioria e que vivem na pele as contradições do capitalismo racial brasileiro.